19/05/2013

NASCIMENTO DE CARLOTA


(......) A minha segunda gravidez foi totalmente diferente da primeira. Até chegar ao 4º mês, perdi peso e tudo me enjoava. Depois que o bebé começou a mexer, o que começou bem cedo, não parava de me dar pontapés, ao ponto de Leo acordar com eles nas suas costas. Aconteceu algumas vezes e eu nem dava mais conta. Ele acordava e eu continuava a dormir.

Aos seis meses já tinha um pouco de dilataçao feita, o que era um perigo e meio caminho andado para um nascimento prematuro. Tinha os mais estapafúrdios desejos. Eram de uma excentricidade tal, que um deles poderia ter sido maléfico, o que felizmente não aconteceu.


Era tudo tão diferente, que até a própria ginecologista, garantia que seria um rapaz. Um bocado contrariada, porque sempre tive paixão por meninas bebés, acabei por me ir conformando com a ideia de que iria ter um rapazinho e que desta vez, gostaria muito que fosse bem parecido comigo. Para ajudar na solidificação da ideia de que seria mesmo um rapaz, chegou o meu último e mais estranho desejo da gravidez – Cerveja normal -.
Normal, porque eu gostava e gosto ainda, de cerveja preta sem álcool. Com álcool nunca bebia porque me ardia e amargava. Não gostava mesmo. Mas sem qualquer explicação minimamente plausível, passei a adorar cerveja com álcool e, pior, a beber quase como quem bebe água! Uma coisa inexplicável. Graças a Deus que nunca me senti bêbeda, mas bem que podia ficar se não intercalasse com limonada bem forte, outra coisa que adorava. Muito limão. Foi um mês de cerveja diária que assustava qualquer mortal, por ser consumida por uma grávida no último mês.

A partir dos seis meses de gravidez, como já disse, tinha alguma dilatação. Aos sete meses fui proibida pela minha médica de fazer algumas coisas. – Nada de viagens e esforços. Este rapaz está ansioso por sair, tem bichos carpinteiros Vitória. – Disse Teresa sorrindo.
- Mas eu quero ir de férias para a Nazaré, como vou sempre, como vou fazer? – Retorqui eu com cara e voz de clemência.
- Nem pensar. O rapaz pode nascer a qualquer momento, estou a falar a sério. Sabe que se nascer antes dos nove meses, será um bebé prematuro que terá que ter outros cuidados, mesmo depois de uns meses de vida, certo? O que prefere Vitória, um rapagão saudável ou um bebé enfezado com fortes probabilidades de complicações sérias no futuro? Vá lá, vamos deixar de ser crianças e ter mais juizinho ok? – Teresa, como sempre, no seu melhor!
-Está bem, que remédio né? - Respondi eu completamente inconformada.

Saí do consultório e, como tinha ido sozinha à consulta, não transmiti nada a ninguém do que ela me disse. Segui para a Nazaré de carro e eu a conduzir. Só passou a haver uma diferença. A mala pronta do bebé passou a viajar comigo para todo o lado.

No penúltimo dia de férias na Nazaré, passei a noite cheia de contracções e fui parar ao hospital. Medicaram-me com um inibidor de parto prematuro e voltei para casa. Na manhã seguinte, liguei à Teresa a contar o que tinha acontecido e o que me haviam receitado. Ela não se mostrou surpresa por eu andar longe e lhe ter desobedecido, mas ralhou-me e mandou-me ficar quieta pelo menos três dias. No dia seguinte, estava no seu consultório. Dessa vez consegui surpreendê-la!

- Vitória, você é muito mais louca do que eu pensava mulher! Onde já se viu uma coisa destas? Viagem sobre viagem hem? – Disse ela com pouca vontade de sorrir, ao contrário do costume.
-Eu estou bem Dr.ª, não sinto nada. Prefiro estar aqui por perto de si, entende? Sinto-me mais segura. – Respondi tentando desculpar-me.
- Desde logo nem devia ter arredado pé sequer. Mas com essa cor, imagino que devem ter sido uns bons dias de praia, não? Sortuda é o que você é. Ainda por cima, tem razão, a dilatação atrasou um pouco. Bom, agora que já só falta um mês, tenha juízo e repouse o máximo ouviu? Tenha paciência e uma vez que já foi fazer a sua praia, já pode sossegar e deixar de ser uma saltarica. – Arrematou sorrindo.

Falei-lhe ainda do desejo incontido da cerveja, mas ela não deu grande importância e aconselhou-me a abusar mais da limonada. Como Leo fazia anos no final de Agosto, eu meti na cabeça, que o nosso filho nasceria no dia do seu aniversário. E foi isso precisamente que eu disse a Teresa:
- Só volto cá para combinar a hora do nascimento do Tiago. - Ela riu e disse:
- Você é terrível! O pior é que eu acho que é capaz de conseguir essa proeza, uma vez que já deu para ver que, a bem ou a mal, você consegue o que quer. Há pessoas assim sabia? A sua força interior é de tal forma grande e poderosa, que movem o universo a seu favor e alcançam tudo o que querem. São as chamadas pessoas afortunadas e bafejadas pela sorte. O factor sorte existe. Há as que nascem com sorte e as que, infelizmente não. Algumas podem esfolar-se e batalhar tudo o quiserem que, jamais conseguem alguma coisa. As sortudas nem precisam se esforçar muito, vem tudo ao seu encontro. E assim é a vida Vitória! – Desabafou Teresa. Concordei com ela, despedimo-nos e fui para casa mais uns vinte e poucos kms de carro.

O mês de Agosto é sempre quente demais. Dias em que os termómetros sobem aos 46º graus centígrados. Muito difícil passar os meses de Julho e Agosto no Douro com aquele calor abrasador! O rio, ao contrário do que muita gente pensa, não refresca nada, só se forem nadar nele. Foi um mês de muita cerveja e limonada. Ainda me aventurei uma vez mais numa viagem de centenas de kms para visitar a irmã de Leo ao Minho, sempre acompanhada da malinha do bebé.

Tudo muito tranquilo e tirando a vez em que fui de noite ao hospital na Nazaré, nunca mais tive qualquer problema.

Depois de ter tudo devidamente combinado com a Drª Teresa, fui para a maternidade à meia noite do dia em que queria que o bebé nascesse. Era o dia de aniversário de Leo. Portanto, seria um rapaz e nasceria no mesmo dia em que o pai fazia anos.

Já havia dois dias que tinha deixado a cerveja completamente de lado, embora me custasse, e Leo tivesse deixado de beber também para que eu nem a visse em casa. A limonada passou a ser a nossa única bebida com os mais de 44º graus de calor que assolavam a região Duriense toda.

Leo deixou-me no hospital e foi para casa. Depois de me instalar no meu quarto, fui à sala de partos ver o que se passava por lá. Deparei com uma moça nova como eu, a parir um rapaz. Ela gemia baixinho e aquilo impressionou-me muito. O bebé pesava 4.500kg. Era enorme e nasceu naturalmente, apenas com uns parcos gemidos da mãe. Bem, foi o suficiente para me dar vontade de antecipar um pouco a hora do meu. Eu não sabia o que era ter um filho propriamente dito. Da Sofia só senti dores horríveis, mas não a vi nascer. Se era tão fácil assim, eu queria era despachar o meu o mais rápido possível.

Eu e a Teresa tínhamos combinado que ela estaria às 8h da manhã na maternidade para me fazer o parto. Mas estava visto que, a minha ansiedade, depois de ter assistido àquele parto tão fácil e rápido, não me deixaria aguardar até às 8h, claro que não! Pedi à enfermeira para fazermos o meu a seguir e fazer uma surpresa à Dr.ª Teresa. Ela disse:
- Deite-se aí para eu a examinar – E continuou:
- Se quiser, podemos fazer sim. Já tem uns bons dedos de dilatação, será rapidinho - Virou-se para a colega do lado e acrescentou:
- Já viste que sorte a nossa esta noite? Devia ser sempre assim, era uma maravilha - A colega respondeu:
- Não esqueças que estas moças estão a ter o segundo filho. As mais difíceis são as virgens na matéria.

Rimo-nos todas com o seu comentário e seguimos com os preparativos para trazer o Tiago cá para fora. Depois da aplicação no soro, da tal versão sintética do hormônio ocitocina, foi uma questão de 2 horas com muitas dores e berros. Nada sossegado e quase mudo como a parturiente anterior. Nos intervalos das contracções, eu ainda reclamava como é que a outra conseguiu suportar tamanhas dores sem fazer barulho.

Na hora de sair o bebé, foi o pior de tudo, até mandei um empurrão na mama da enfermeira que nunca mais se calou a falar do sucedido até eu vir embora da maternidade. Resumindo, portei-me mal! Quando a criança saiu e ainda agarrada a mim pelo cordão umbilical, perguntaram-me:
- O que é que você esperava mesmo, rapaz ou rapariga?
- Rapaz claro! - Respondi

Levantaram a criança pelos pés, tipo como quem agarra um coelho, e mostraram-me que era mais uma menina. Olhei o seu rosto e só exclamei: - Oh não, outra Leonarda! É a cópia da irmã quando nasceu. Tudo parecido com o pai? Quando vai chegar a minha vez? Não há direito, eu é que tive o trabalho todo! Nem tenho nome para ela. Só tenho para rapaz!

As enfermeiras riram-se e, às 4h da manhã o parto estava terminado e eu na minha cama com a menina sem nome ao meu lado. Uma delas ligou a Leo, a meu pedido a dar a notícia. Apesar de ser parecida com Sofia e com o pai, esta bebé era mais rosadinha e com muito menos cabelo e mais claro que a irmã. Mais magrinha e mais comprida. Media mais 3cm que Sofia pesava menos 100gr. Sofia nasceu bastante peludinha e pele morena. Esta era clarinha em tudo. Muito linda e perfeitinha. Mais um bom trabalho da minha parte.

Sentia-me tão feliz como quando fui mãe pela primeira vez, com a vantagem ainda de ter assistido a todo o processo do seu nascimento.

Passadas umas horas, chegou Teresa e, mais uma vez não se mostrou surpresa, disse que de mim esperava tudo e nada mais a surpreendia. Confirmou que estava tudo bem e rimo-nos por ser outra menina e ainda por cima também parecida com o pai. Ela sabia do meu desejo de ter um filho, ou filha parecida comigo e, a brincar disse:

- Bem Vitoria, depois de tantas tropelias durante a gravidez, foi o castigo. Tem outra rapariga e sem nada do seu lado. Bem bom! Agradeça a Deus e aos santos por isso mulher! Você foi uma das minhas pacientes que mais me preocupou até hoje com a sua rebeldia e teimosia. Estava sempre à espera de um telefonema a dizer que tinha tido um bebé prematuro, ou outro tipo de complicação ainda pior. – Eu estava calada e envergonhada. E ela continuou:

- Felizmente acabou tudo bem e tem uma menina linda, perfeita e saudável. Parabéns e mantenho o que lhe disse há tempos; há pessoas com sorte, a quem corre tudo, ou quase tudo mesmo, na perfeição e de acordo com os seus desejos. Você comprova totalmente a minha teoria.

Vitoria, você é uma mulher incomum e extravagante. Figura rara de encontrar sabia? Bom, até mais logo. Passarei de novo por aqui à noite. - Saiu e cruzou-se com Leo no corredor. Conheciam-se e ficaram a conversar um pouco.

Leo entrou no quarto, exteriorizando a sua felicidade, beijando-me e seguindo directo ao berço do bebé. Reparou na roupa rosa e perguntou:

- Vestido de rosa? Não tinham outra coisa em azul?

Eu olhei-o confusa e disse: - Leo é outra menina!

Ele ficou mais confuso do que eu e retrucou:

- Ah, mas eu percebi que a enfermeira me disse que era um rapaz e que estava tudo bem. Sabes, eu estava a dormir e devo ter entendido mal então.

Nada desapontado, pegou na menina com a mesma alegria e felicidade que teria pegado se fosse um rapaz, tenho a certeza. Ainda para mais, porque tínhamos paixão por meninas. Só achávamos que seria um rapaz pela total diferença em ambas as gestações. Só por isso.

Ele olhou-me e acrescentou baixinho e muito carinhosamente: - Que linda! É tão comprida! É mais magrinha que a Sofia não é? – Respondi: - Sim. Pesa 3.250kg e mede mais 3 cm.- Ele continuou:

- Não temos nome para ela, coitadinha. Já pensaste em algum? – Não, respondi eu. Leo viu que era muito parecida com Sofia, o que queria dizer que era mais uma “ Leonarda”. Mais feliz ficou, se é que era possível.

Não conseguíamos chegar a um consenso acerca da escolha do nome da bebé. Passou quase um mês e ela sem nome. Falávamos em vários, mas não nos decidíamos por nenhum. Até que num belo dia, Leo entrou em casa e passou-me a cédula de nascimento da Carlota para a mão. Ele tinha decidido registar a bebé com um dos nomes mais falados por ambos. Gostei e foi um alívio! (......)(M.J.L.)

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